terça-feira, 8 de janeiro de 2013

ILHAS GALÁPAGOS – PARTE III



“E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar.”
José Saramago


Os olhos deviam estar enormes, arregalados, tentando captar tudo. Duas preocupações: 1) como exatamente encontraria o pessoal do barco; 2) se a taxa era mesmo metade do valor para o pessoal do Mercosul (não necessariamente preocupação, mais curiosidade). Um ponto sensacional de viajar sozinha, quando se avalia a coisa, é o foco no presente imediato, first things first.

Essa é a fila de entrada em Galápagos. Todo mundo fotografando; e dá pra sentir uma excitação geral

Ao chegar minha vez, o simpático atendente fez festa ao ver meu passaporte brasileiro, perguntou se eu sabia sambar e me desejou calorosa “boa estada”, enquanto batia o carimbo de entrada. O próximo atendente, que recebe a taxa, também falou algo simpático que não me lembro. Em seguida, é abrir a bolsa de mão para um terceiro atendente dar uma olhada, e voilá! Estamos oficialmente em Galápagos!

Aqui pode haver alguma confusão: o aeroporto de Baltra não possui carrossel de bagagens. Ao passar os procedimentos de admissão, os passageiros vão se ajuntando em frente a uma porta guardada por um funcionário. As malas são descarregadas em uma sala fechada, onde somos admitidos de poucos em poucos, para coleta da bagagem e saída da área de desembarque.

Procurando por alguém do barco, finalmente vi um cara com uma placa “Guantanamera” na mão. Ufa. Por mais óbvias que certas coisas sejam, tem sempre uma vozinha no fundo da mente soprando frases pessimistas do tipo “saíram sem você”, “é um barco-fantasma”, “e agora??”.

Depois de pegar minha mala e sair pra encontrar o cara do barco, mais um momento tenso, claro, pois ele simplesmente tinha sumido. “Você achou que viu alguém”, disse a vozinha. “E agora??”. Mas lá estava ele, pra lá e pra cá, buscando os passageiros. Me pareceu por um segundo tão aliviado de ver mais uma passageira quanto eu fiquei de vê-lo. Fui levada pra um pequeno grupo que estava se formando à parte, e logo fomos apresentados rapidamente uns aos outros, nomes e nacionalidades, e houve certo entusiasmo por parte do cara por haver uma brasileira no grupo – eu. Fiquei sabendo depois que brasileiros não são muito comuns em Galápagos. O cara da plaquinha ganhou nome e função, Johan (“não atenderei se me chamarem de Juan”), nosso guia dali por diante. Algumas instruções nos foram eficientemente passadas: para onde iríamos, que ônibus íamos pegar, a posição mais segura de agarrar o braço dos tripulantes para entrarmos nos botes, o que deveríamos fazer ao chegar no barco, etc.

Embarcamos em um ônibus que nos levou até as docas, onde entramos em botes que nos levou até o Guantanamera. Mais um momento tenso: tivemos de deixar nossas bolsas na doca, para entramos nos botes. As bolsas! Como bem expressou um colega, com a mala grande a gente até que não se preocupa tanto, mas com a de mão... Enfim, em cerca de não mais que vinte minutos as bolsas já estavam a bordo, perfeitamente a salvo.

A gente tenta se sentir em casa: bota um short, calça os chinelos e vai lá pra cima se socializar, tirar umas fotos, enfim, se familiarizar com a nova realidade. A gente almoça e navega pra primeira visita do dia - a praia Bachas.

A gente se socializando e se encontrando no Guantanamera

Somos acompanhados pelas fragatas-comuns (frigate-brids, em inglês; aliás todos os nomes ficam esquisitos em português). Esse é uma fragata macho. Os machos tem o papo vermelho que inflam durante o período de acasalamento. Esse foi um momento emocionante: me lembro bem da enciclopédia Os Bichos, que meu pai colecionava, e, quando criança, eu sempre passava rápido pela página da fragata com o papo inflado, pois tinha repulsa daquilo. E olha uma aí... acho que nunca imaginei que veria uma ao vivo na vida. Pena que não tivemos a oportunidade de vê-las com os papos inflados...


O ROTEIRO

“O capitão veio, leu o cartão, mirou o homem de alto a baixo, e fez a pergunta que o rei se tinha esquecido de fazer, Sabes navegar, tens carta de navegação, ao que o homem respondeu,
Aprenderei no mar”.
José Saramago

Dia 1 –   Chegada e acomodação a bordo;
                ILHA SANTA CRUZ – Praia Las Bachas

Dia 2 –   ILHA GENOVESA              
                Baía Darwin
                Escadaria do Príncipe Philip/ Prince Philip’s Steps

Dia 3 -    ILHA BARTOLOMÉ
                ILHA SANTIAGO – Baía Sullivan

Dia 4 -    ILHA ISABELA – Puerto Villamil
                Vulcão Sierra Negra
                Centro de Crianza “Arnaldo Tupiza”
                Beto’s Bar – wi-fi   

Dia 5 -    ILHA ISABELA
                Baía Elizabeth
                Baía Urbina
                Festa a bordo

Dia 6 -    ILHA ISABELA – Tagus Cove/ Caleta Tagus
   ILHA FERNANDINA – Punta Espinoza

Dia 7 -    ILHA SANTIAGO – Praia Espumilla
               ILHA RÁBIDA

Dia 8 -    MOSQUERA
               Desembarque e partida               


Esse é nosso roteiro, riscado no mapa pelo guia em nossa primeira reunião a bordo.
No Dia 1, terminadas as atividades, fomos reunidos e formalmente apresentados a toda tripulação e guia (Johan), num total de 8 pessoas, sendo o Capitão (Julio), o cozinheiro (esqueci o nome dele!), o bartender (Jose), e os demais encarregados dos serviços gerais, como pilotar os botes, baixar/levantar âncora (minha atividade favorita para observação), limpeza, manutenção e outras que nem ficamos sabendo  Patricio, Clinton, Renato e outro Jose, que foi substituído, por um senhor que não nos foi apresentado, ao longo da viagem). Também fizemos simulação de uma emergência, para aprendermos a evacuar o barco e localizar, vestir e acionar os coletes salva-vidas.
Ao final de cada dia, o guia fazia o "briefing", ou seja, uma explanação do que faríamos no dia seguinte e os animais possíveis de serm observados.
Dicas: a) é bacana tirar uma foto do quadro de atividades diariamente, para registro completo de tudo que foi feito; b) se houver uma festa a bordo, tirar a foto antes da festa, pois, no nosso caso, no dia seguinte o quadro apareceu todo atrapalhado, com várias gracinhas escritas pelos mais alegrinhos movidos a umas e outras. Ninguém da nossa turma possui a foto do Dia 6, justamente por causa desse vacilo...

NAVEGANDO

Sempre tive a ideia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu.
José Saramago


O Guantanamera é um barco simples e rústico, está no nível chamado “turista superior”, mais barato. Não vi outros barcos por dentro, mas é opinião geral (nos fóruns) que vale a pena investir um pouco mais, dentro das possibilidades, para se garantir o maior conforto possível. No meu caso, até mesmo por nunca ter tido de escolher um barco antes, eu assumi o risco com base nos depoimentos encontrados de outros passageiros, sendo que todos foram bastante honestos e realistas: o que eu li foi o que eu encontrei lá. As cabines do Guantanamera são minúsculas (até tentei, mas não consegui achar ângulo pra tirar uma foto) e eu e minha colega tivemos de combinar turnos para banho e arrumação de nossas coisas (não cabíamos as duas ao mesmo tempo na cabine, salvo se uma estivesse deitada e a outra mexendo nas coisas, ou se as duas estivessem deitadas...). Entretanto, eu achava minha caminha muito confortável! Todos os dias as toalhas usadas eram trocadas (sempre que chegávamos do primeiro passeio da manhã, encontrávamos as cabines arrumadinhas).
Os chuveiros são de água quente, mas, em alguns poucos banhos, a água era somente morna o bastante para não ser chamada de fria. Em outros banhos, a água esteve satisfatoriamente morna, nunca fervendo.

Quanto a contratempos e segurança, durante nossos 8 dias não houve qualquer problema que tenha chegado ao conhecimento dos passageiros, ameaçando a tranquilidade ou o prazer da viagem. O barco possui coletes salva-vidas para todos (fomos treinados a usá-los), dois botes e navegamos sempre junto com outros dois barcos (podemos vê-los no radar da cabine de comando). Me foi explicado que, em uma emergência, os outros barcos podem chegar rapidamente para ajudar. Ainda na questão segurança, nenhuma instrução é dada para o caso de passageiros que não saibam nadar mas que queiram fazer snorkel; supõem-se que o passageiro saiba nadar. Mas pode-se fazer snorkel vestindo o colete salva-vidas.
Não existe médico a bordo; em caso de emergência médica, valerá a sorte (no nosso caso, por exemplo, um dos passageiros era médico, então estávamos de certa forma cobertos :-) ). Ouvi que os barcos maiores, especialmente os que transportam pessoas mais idosas, possuem médico a bordo.
Me foi dito que nunca nada grave aconteceu em todos esses anos, e parece que, se vier a acontecer todos vão aprender com a situação. Mas vale a pena saber que, pelo menos no nosso caso, entrar no barco foi tão seguro quanto entrar em um balão – a diferença é que não assinamos contrato de ciência do risco.
O único contratempo que tomei conhecimento foi em relação à descarga de alguns banheiros, que às vezes não funcionava direito. Vi um dia uma colega passando com um desentupidor na mão...

Um dos botes, voltando pro barco após o dia em Puerto Villamil
Em um tom mais leve, a tripulação que viajou conosco foi ótima! Sete tripulantes, todos atenciosos e amigáveis. Mas o contato com eles foi um pouco restrito, uma vez que todos somente falam espanhol, entendendo/ falando apenas algumas palavras em inglês.
O guia, Johan Torres, foi excelente! Nascido e criado em Galápagos, filho de guia, explicava sobre a fauna, vegetação, formação e história das ilhas com entusiasmo. Esteve sempre à disposição para nos ajudar ou esclarecer - e me ajudou a passar com minhas pedras do Cotopaxi pelo controle do aeroporto na partida, coisa que achei que iria me causar dor de cabeça. 

Johan em ação, explicando alguma coisa sobre Tagus Cove

A comida foi simples, porém bastante saborosa. O cozinheiro era um rapaz de 21 anos, de quem infelizmente esqueci o nome, muito sorridente, que se saiu muitíssimo bem em sua missão. As refeições eram anunciadas pelo bartender Jose, que rodava o barco tocando um sino. Havia o café da manhã, com ovos, alguma carne (presunto, bacon, linguiça), queijo, iogurte, frutas, cereal, suco, pão, leite. Almoço e jantar com sobremesa. Entre as atividades, havia um lanche leve de suco e biscoitos ou algum salgadinho frito.
Pro meu gosto, teve muito peixe, sempre atum, em pedaços enormes, que eu comi somente uma vez. O frango também era cortado em pedaços maiores do que estamos acostumados aqui no Brasil, então, evitei. E teve arroz todos os dias, no almoço e no jantar, para desespero do europeus/ americanos, que definitivamente não estão acostumados com isso. Pra mim, foi como estar em casa. Somente um dia teve espaguete, e achei que os gringos iam enlouquecer, pois eles estavam realmente enjoados de tanto arroz. Alguns dias teve sopa de entrada no almoço, o que não combinava muito, especialmente porque os dias foram ensolarados e quentes. De sobremesa teve frutas, flan, arroz doce (que a maioria dos gringos também dispensou e eu, mineira que sou, comi umas três cumbuquinhas; mas também nessa noite eu perdi o jantar, cheguei somente a tempo da sobremesa).
Uma colega ouviu que todos os passageiros de um barco de categoria luxo, que faziam um cruzeiro de 5 dias, tiveram diarréia a bordo, prejudicando bastante o passeio deles... Palavras dela, “melhor termos ficado com todo aquele arroz...”.
Havia água mineral disponível à vontade, em um galão que ficava no refeitório. Também havia água quente e chás diversos e café à vontade, o dia todo.

Dica: quando se trata de comida, é melhor não vacilar! Os horários das refeições são fixos, e a comida tem limite. Lá pela terceira refeição os rapazes do grupo perderam a timidez e passaram a encher os pratos sem olhar para trás. Assim, havia certa corrida para a fila, e tinha a galera que já ficava sentada no refeitório, somente esperando que o sino tocasse para se levantar e se servir. Não chegou a haver tensão, entretanto, ficar esperto é aconselhável.

Café da manhã do Dia 5
Nosso grupo foi excelente! Os mais velhos deviam ter seus 50 anos, os mais jovens 21 (era uma família). Então foi um grupo bastante coeso nas atividades, na disposição e na capacidade física para as caminhadas e desembarques molhados (desembarcar em uma praia pulando do bote na arrebentação). Os mais novinhos expressaram abertamente o alívio de estarem em um grupo mais “jovem” – vários passageiros contaram que vieram no avião se perguntando se alguns daqueles seriam os futuros colegas no barco. Eu fiquei um pouco preocupada com minha colega de cabine, mas se eu tivesse tido a chance de escolher, não teria escolhido melhor! Era uma austríaca chamada Angelika, super tranquila e gentil, que inclusive me ensinou os rudimentos do snorkel (que eu abandonei após 2 tentativas...). Éramos holandeses, austríacos, americanos, a maioria ingleses, um de Trinidad&Tobago e a brasileira, eu!

Nosso grupo, na Ilha Bartolomé
Os espaços comuns são o deck superior onde ficam as espreguiçadeiras, muito disputadas e o deck superior onde ficam cadeiras de plástico brancas, mais usadas quando o barco está ancorado, porque durante a navegação as cadeiras não são seguras (uma colega nossa caiu da cadeira, de costas, depois de sua cadeira dar uma passeada com ela pelo deck. Mas foi somente um susto com constrangimento. Dica: sentar com a cadeira encostada em alguma das paredes do barco...). Tem também o refeitório, onde o pessoal costumava jogar baralho e conversar, mas não muito, porque o cheiro da comida que ficava no ar + o sacolejo do barco fazia o pessoal ter enjoo; e uma salinha junto ao refeitório, onde ninguém ficava. Em noites ancorados, qualquer lugar era lugar!

O deck superior

Em momentos de navegação, se durante o dia, o pessoal subia pras espreguiçadeiras, ou mesmo para o bico do barco. Esse era meu local predileto, perto da âncora. Assim dava pra tomar sol enquanto navegávamos. Em noites de navegação, a maioria sumia pras cabines, pra poder passar mal em paz, e, aqueles livres do mal, se estiravam nas espreguiçadeiras, pra admirar o céu. Mas não por muito tempo, porque o vento é frio e, dependendo das condições do mar, o barco sacoleja muito, sendo difícil até mesmo voltar pra cabine. Estando na cabine, o que resta é ler ou dormir.

Eu em meu lugar preferido do barco
 
Quanto à privacidade, como o barco é pequeno, pode-se ter a certeza de estar sendo visto por alguém, em algum momento. Tem sempre um passageiro ou tripulante em algum lugar. É mais uma constatação lógica do que mal-estar, porque nunca tive a sensação de estar sendo “observada”. Parece que a cabine é o único lugar realmente discreto para ficar, ainda que se tenha que dividi-la com alguém. E os tripulantes são especialmente bons em manter cara de paisagem. Por exemplo, logo pela manhã, durante a limpeza do barco, o funcionário encarregado olha fixamente para o rodo, o pano de limpeza ou o que ele estiver fazendo. É uma forma bastante eficiente, diga-se, embora, evidentemente, pouco natural.

Em resumo, TUDO pode acontecer e parece que temos de contar com o mérito/sorte coletiva do grupo para que tudo corra às mil maravilhas, como correu pra gente. Convivemos harmoniosamente durante todo o passeio, todos se divertiram bastante (salvo os momentos de mal-do-mar), a nossa festinha a bordo foi sem precedentes, segundo o guia (durou até 4h da manhã!!), todo mundo chegou são e salvo. Portanto, posso seguramente dizer que, a menos que a pessoa faça muita questão de espaço e alguma exclusividade, o Guantanamera foi extremamente satisfatório.

Minha casa por 8 dias inesquecíveis!
Pela janela da cabine 6, a cada manhã, uma nova surpresa. A mais incrível foi na segunda manhã, ancorados na Ilha Bartolomé, bem em frente ao Pináculo - abri a cortina e lá estava aquela rocha enorme contra o céu cinza, a paisagem silenciosa... Teve também a última noite, quando acordei de madrugada e levantei para encher os olhos de estrelas. Nunca vi um céu como em Galápagos, as estrelas tão brilhantes, e tantas. E uma das manhãs, ainda deitada, dava pra ouvir o ou-ou-ou dos leões-marinhos na praia mais próxima. :)
Chegando na Ilha Rábida
A âncora, momentos antes de ser baixada ao chegarmos em Rábida


por C. Maria

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3 comentários:

  1. Bom demais! Deu prá sentir perfeitamente como foi o dia-a-dia do barco; e até me foi possível ouvir os leões marinhos! (que prá mim ainda perdem para o apito-do-navio-em-São Francisco!!!!) Léo.

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  2. Deu pra sentir a viagem e como foi proveitosa/prazerosa. Fico imaginando a delicia de acordar a noite pra ver as estrelas do céu em Galápagos...

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  3. @Leo e @Max, fico feliz de ter conseguido trazer um pouquinho que seja de Galapagos pra cá! Depois das estrelas de Galápagos, passei a admirar mais as estrelas de BH. :-) Sair de nós pra nos conhecer, não é essa a proposta? ;-)

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